Capítulo 4
Continua no próximo capítulo
VI – UM FUGITIVO DENTRO DA PRÓPRIA ESCOLA.
Resolvi ficar sentado em uma das mesas da cantina. E lá vinha o pipoqueiro, com
as suas histórias de vida, daquelas de pescador, e que só Deus mesmo pra acreditar. Mas
eu gostava de ouvir as histórias dele, e naquelas circunstâncias, eu tinha bastante tempo.
Exatamente até o final da tarde, onde tocaria o sinal de saída.
— Sr. Lauro! Vai contar história hoje? — perguntei.
Sr. Lauro colocava o milho na panelinha do carrinho de pipoca e girava a manivela.
Certamente pensando em alguma história.
— Vou contar a história do meu avô. Você sabia que ele foi campeão de atletismo?
Ele só não ficou conhecido como o homem mais rápido do mundo porque os mafiosos o
ameaçaram cortar sua cabeça.
— Hã? — não entendi nada.
— É, Luquinhas... Vovô teve que parar de correr para que homem mais rápido do
mundo na época não perdesse o título. Ele foi maratonista por uma semana. — contava
o pipoqueiro.
Acreditando ou não, eu estava super entretido com a conversa do Sr, Lauro. Tão
distraído que não vi quando a diretora, Dona Ruth, foi até a cantina tomar um cafezinho.
— Senhor Lucas Batista Figueira. Já pra sala! — disse ela, autoritária, apontando para
o local onde ficavam as salas dos terceiros anos.
Eu corri para algum lugar que nem eu mesmo sabia. Eu não queria ter que olhar
para a Débora. Contudo, um sentimento me fazia querer o contrário. Eis aí que temos um
impasse entre a razão e a emoção. E, como na maioria das vezes, a emoção ganhou.
A diretora, uma senhora já idosa, corria com passos curtinhos e bebericando seu
café. Mas sempre na minha cola. Naquele momento o desejo do meu coração falou, me
faz parar e virar para ela, dizendo:
— Já estou indo para a sala, Dona Ruth. Pode tomar seu cafezinho.
დ
Entrei na sala, e logo quando eu a vi, ali, sentada, com sua cara emburrada, seu
nariz empinado, a música dos irmãos Hanson veio à minha cabeça novamente.
Loving you like I never have before
I'm needing you just to open up that door
If begging you might somehow turn the tides...
Maldito seja o jeito de ser de Débora. Maldito seja eu por gostar que ela me repudie
e de que ela vire a cabeça pra mim sempre que me vê. Maldito seja o meu egoísmo, por
achar que ela não deveria ficar magoada comigo por tudo o que eu fiz: expô-la daquela
maneira.
Incrivelmente a tarde foi normal.
VII– O ANIVERSÁRIO DE DÉBORA
(Música: Transmissor – Bonina)
Embora houvesse chuva — e que chuva — naquele dia eu teria de ir à escola.
Nunca mais eu questionaria, precisava ir. O vestibular estava cada vez mais próximo, e
como todo bom (verdadeiro) pré-universitário, eu estava amadurecendo. Gostaria de
pedir transferência para outra sala ou para outro turno só para não dar de cara com
Débora.
Talvez você comece a achar a história da minha vida super chata a partir de agora.
Nem todo mundo é admirador de romances, mas nem todo mundo vive se ferrando. Eu
amo aquela garota, mas eu amo também, minha vida.
Esquecê-la é tão difícil quanto largar cigarros (não que eu tenha fumado na minha
vida) ou qualquer outro vício. Vê-la todos os dias, me ignorando, me desprezando, era
foda.
Vi naquele dia que Débora estava entregando os convites para a sua super-festa-de-aniversário. Todos, todos da nossa sala receberam o convite. Menos eu, claro. Já era
de se esperar.
Ok. Débora, menina rica, patricinha, aquela filhinha de papai que eu nem sei o que
ela fazia estudando numa escola pública daria uma super festa para comemorar os seus
dezoito aninhos de idade. Ganharia um presente caro, tipo um carro de luxo, uma Ferrari
vermelha, um Camaro amarelo, sei lá. Eu adoro festas. Lamentaria profundamente.
დ
Chegara o grande dia da festa de arromba da Débis (tá, gente, da Débora, “cês”
entenderam). Estava eu estudando Física elétrica naquele tedioso sábado. Claro, não há
como se concentrar quando se sabe que quando chegar a noite, toda a galera estará se
divertindo numa super comemoração. E eu, de cara nos livros.
Passou um carro de som. Um funk daqueles “bem favela” (quadradinho de oito,
entrando em detalhes) tocava alto enquanto um cara com um megafone saía gritando
para o bairro inteiro:
— É hoje, gente, é hoje! Baile funk, swingueira, no POINT DA BAGAÇA. Entrada
gratuita! Open bar a noite toda!
Aquilo era chato pra mim, ou pra todo mundo que odiava funk. Mas metade do
bairro (incluindo os convidados da festa da Débis) curtia um pancadão. Isso daria sérios
problemas.