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Capítulo 6

Continua no próximo capítulo 

Uma tempestade tremenda me impedia de sair da calçada e atravessar a rua 
para procurar o ponto de ônibus mais próximo. A chuva, quente, daquelas que só o 
cheiro lhe faria ficar doente. Eu queria esperar, mas já estava tão tarde!
— Fica aqui até a chuva passar!
Era ela. De novo sendo gentil (ou querendo ser). Não falei nada e aceitei o convite. 
Ao entrar em casa novamente, a primeira coisa que Débora fez foi pegar várias 
garrafas de bebidas, que, provavelmente eram do seu pai, tirar seus lacres e beber. 
—  Eu sou um monte de titica, não sou, Lucas?  —  perguntou ela, colocando um 
pouco de uísque num copo.
Levei aquilo como se fosse uma pergunta retórica; se fosse verdade, titicas teriam 
cheiro bom. Ela prosseguiu com a sessão desgraça:
—  Eu sou um nada, Lucas. Ninguém,  ninguém veio à minha festa. Preferiram esfregar 
os fundos no chão num baile funk qualquer. As amizades que eu conquistei naquela 
maldita escola não passam de um bando de notas de três reais. Bem que papai me falou 
para não confiar nesse povinho de escola pública.
Aí já era bem demais. Me afetou. Meu ouvido não é penico pra ouvir tanta besteira. 
Certo que ela estava depressiva, mas dentre tantas as perguntas, o que ela fazia numa 
escola pública, já que tinha tanto dinheiro?
Débora já estava ajoelhada, com os cotovelos apoiados na mesa de centro da sala 
de sua casa. Bebia muito, aquele uísque que parecia que descia pela sua garganta 
rasgando.
—  Já sei. Vou pôr fogo nos meus CD’s da Christina Aguilera, da Britney, das Spice 
Girls... Vou pôr  fogo em todos. Daí vou me vestir como as popozudas lá da escola e ser 
“vida loka”.
Débora deu uma pausa, abaixou a cabeça e concluiu:
—  Não posso. Minha bunda não serve nem pra ser destaque de programa de palco. 
Eu me odeio, Lucas!
Como o que está ruim  sempre tem como ficar pior, a patricinha saiu correndo,  subiu 
uma escada que dava para um andar de cima da casa e, em seguida, outra escada que 
dava para uma espécie de laje. Laje não, porque ali estava longe de ser uma favela. 
Digamos que tudo aquilo era um telhado chique.
Ao perceber que eu a acompanhava, Débora tentou fazer mais uma ceninha. De 
braços abertos agora e em pé na beirada do telhado, ela gritava, dizendo que iria se 
suicidar.
—  Agora todos vão ser meus fãs. Não é assim? É preciso morrer para ser adorado, 
valorizado, ou ao menos notado. Ok. 
Depois daquela fala poética “à la Augusto dos Anjos”, eu até que acreditei que ela 
realmente iria pular de cima do telhado. A garota estava completamente tomada pelo 
álcool  e, em consequência disso, poderia fazer qualquer coisa por não ter consciência 
alguma.
A chuva diminuía. Não minto, cogitei a possibilidade de sair dali, aproveitar e ir direto 
para casa, mas eu sou humano e tenho bom senso.  Abracei-a e puxei seu corpo para 
junto ao meu. Débora estava segura do meu lado, e insaciavelmente, eu queria que ela 
ficasse segura para sempre. Eu nunca havia sentido aquilo antes. Arrepio. Frio. Tal frio eu 
não sabia se era por causa da chuva, ou por eu estar perto dela. Perto. Tão perto. 
— Eu te amo, Lucas.  
Depois de falar isso, ela caiu desacordada nos meus braços novamente.

(Música: Janta – Marcelo Camelo e Mallu Magalhães)
Acordei com o sol brilhando no meu rosto e impedindo que eu continuasse com os 
olhos fechados. Espera aí? Eu dormi? Onde?
Eu estava deitado, ainda no telhado da casa de Débora. Ela continuava em meus 
braços. Dormia como um anjo. Ela tinha cara de anjo, mas não me tratava como um. Até 
então.
— Débora, a gente dormiu... Débora, acorda.
Sacudi-a. Ela, aos poucos, foi abrindo os olhos e assim, pude vê-la acordada aos 
poucos. Quando ela se deu conta de que passara a noite dormindo no telhado, e 
agarrada em mim, soltou-me e correu até a escada, onde entrou em casa e se trancou 
no banheiro.


IX – A “SUBNOVELINHA”
(Música: 130 anos – Agridoce)
Lembram daquele meu amigo Júnior?  Aquele meio recalcado, que aparecia  de 
vez em quando no início dessa doidice  trama? Qualquer coisa, se você não lembrar, eu 
te dou um tempinho pra voltar ~risos~, ou então continue lendo, não importa.
Ivanilson Plínio Dantas Júnior, que gostava de ser chamado apenas de Júnior, e com 
razão, era o típico filhinho da mamãe. Faria dezoito anos em novembro daquele ano, mas 
quem o visse portando aquela camisa,  “I ♥ you mom”  diria que ele ainda estava no 
primário. Gordinho, suas bochechas rechonchudas eram a atração das suas tias e de sua 
avó, D. Carmélia Dantas, que estava passando uns tempos em sua casa.  Como o único 
homem da casa, Júnior era tratado pela mãe, pelas duas irmãs mais velhas e agora pela 
avó como um bebezinho. E assim seria até ele terminar a faculdade, arranjar um emprego 
e se mandar. 
E se ele não quisesse? Bom, todo mundo sabia que Júnior nunca largaria a barra da 
saia da mãe. Desde que perdera  o pai num acidente de carro, para não se tornar um 
adolescente  problemático  (pois sempre fora muito ligado ao pai),  era submetido a 
tratamentos  psicológicos  pois, segundo alguns comentários, inclusive de pessoas de sua 
própria família, Júnior tinha pesadelos com o acidente e outras coisas do tipo.
Foi algo muito traumático. Mesmo. Júnior e o pai, que era policial, estavam vindo 
de carro depois de uma festa de aniversário. No meio da avenida, que estava deserta, 
um motorista bêbado, vindo na contramão, acertou o carro do pai de Júnior em cheio. 
O homem morreu na hora. Júnior, que tinha apenas 8 anos, escapara ileso.
დ 
Ter o Júnior como amigo era legal. Ele tinha uma inocência ímpar, sei lá. Perto dele 
eu sentia que o mundo ainda tinha um pingo disso. Só que depois que a Débora entrou 
na minha vida, distanciamo-nos um pouco. Acontece. 
Naquela noite, Júnior teve um pesadelo, como de praxe. Uma tempestade levava 
tudo dele. Suas irmãs, sua mãe, sua avó. Ele tinha medo de ficar sozinho. Seu pai, aparecia, 
lhe dava apoio, dizia que tudo ficaria bem, mas tão logo o vento o levava. 

— Sai daqui, seu pervertido! — dizia Débora, ainda trancada no banheiro.
— Eu não fiz nada com você, sua maluca! 
—  Por favor, vai. Eu agradeço pela sua preocupação  e por ter passado a noite 
comigo, mas vá embora, agora!
Seu desejo é uma ordem. Nem insisti mais. Fui.

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