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A primeira coisa que notei quando voltei à consciência era que estava deitado em minha cama, a segunda coisa que tomei ciência é de meus braços e pernas esticados e amarrados ao pé e cabeceira da cama. Eu pisquei novamente, fazendo o mundo ao redor entrar em foco naquela penumbra estranha. Eu estava em meu quarto, só que agora ele estava repleto de velas, em todos os cantos, formando um circulo ao redor de minha cama... Que agora mais parecia um altar. Haviam vultos a minha frente mas não pude prestar a devida atenção neles já que a garota a minha frente era no momento mais importante.

Isabel estava em pé aos pés da cama. O sorriso suave e vitorioso era por si só assustador. Sua boca estava livre do sangue e dos pedaços de carne, mas seu queixo continuava sujo por um sangue seco, assim como seu pescoço e braços. Seus dedos tamborilavam sobre o lençol enquanto ela me observava.

– O que raios você esta querendo! – eu gritei me sacudindo em vão, as amarras eram fortes e quanto mais eu me mexia mais elas me apertavam.

– Ora, eu só quero nos dar uma segunda chance – ela disse inocentemente – afinal tudo aconteceu tão rápido. Em um instante eu estava gritando e no outro... Morta – ela sorriu carinhosamente – você não pode se divertir como planejara... E nem eu.

Eu engoli o pânico que me subia pela goela, merda como ela era apavorante. Toda aquela calma era apavorante.

– Como... Como você esta aqui, você... Você morreu... Eu vi.

– Ah como viu não é? Um passarinho me contou que você foi ao meu funeral – ela disse contornando a cama lentamente – quanta consideração.

Ela veio até mim lentamente, suas mãos deslizando por minhas pernas e subindo, conforme se aproximava.

– Como você pode estar viva? – eu exigi saber por não conseguir ficar calado.

– Sabe, eu estava muito amargurada do outro lado. Tão preocupada com meus amigos que simplesmente não consegui seguir sem voltar e me despedir devidamente de vocês.

Ela veio até mim, e curvou-se de modo que nossos rostos ficassem a centímetros de distância. Não pude evitar notar que ela cheirava a terra molhada, flores murchas e vela.

– Especialmente de você – ela sussurrou em meu ouvido.

Ela se afastou um pouco para me encarar, e notei que seus olhos de mel estavam mais fortes, mais claros do que de costume, mais sombrios. Ela acariciou meu rosto com as pontas dos dedos imundos com um sorriso carinhoso nos lábios.

– E para evitar que eu não me vingue do modo correto e acabe presa naquele Nada de novo – ela se levantou e andou em direção aos vultos que eu não conseguia distinguir, pareciam bolas penduradas por um cordão, suspensas no ar – nós vamos nos divertir a noite inteira.

Ela abaixou-se no pé da cama e pude ouvir o barulho de metal, correntes e algo mais.

– Sabe o que eu estava imaginando naquela noite em que estava indo ao seu encontro? – sua voz flutuou tranquilamente até mim – que iríamos a um romântico motel, com direito a velas aromatizadas, pétalas de rosa e uma hidro com espuma. Ela se ergueu novamente segurando uma faca afiada e extensa, cuja lamina estava suja de sangue. -Sonho estúpido – ela disse voltando-se para mim ela notou que meus olhos ainda estavam fixos nas bolas suspensas no ar atrás dela. Ela lançou um rápido olhar a elas antes de se voltar a mim – gostou? Achei que seria muita indelicadeza privá-los do espetáculo,afinal você os assistiu gritar e chorar.

Eu lhe lancei um olhar questionador o que a fez rir. Ela foi até a cômoda ao lado da janela bloqueada pelas cortinas fechadas e pegou a lanterna a acionando e direcionando o facho de luz nos vultos a minha frente. Eu gritei horrorizado. Lá estava às cabeças de David e Rob, pendurada pelos cabelos. Os olhos abertos em expressões de pânico, as bocas frouxas entreabertas, o sangue gotejando do lugar onde um pescoço deveria estar. Ao lado de Rob porém apenas havia duas bolinhas presas por cordões, embora um fio algo viscoso e fino estivesse preso em cada uma delas e balançava no ar. A merda! Eram dois olhos!

Eu arfei agonizante me debatendo desesperado sob as amarras e tudo o que Isabel fazia era rir como uma criança deslumbrada.

– Perdoe-me pela sua amiga, mas não sobrou muito dela. De qualquer forma, ela vai poder nos ver – e ela riu de sua piada macabra – seus amigos serão minhas testemunhas de que hoje vingo minha alma.

Ela se afastou da cômoda, e veio até mim com passos casuais enquanto eu me debatia e gritava exasperado.

– Não! Não! - Por favor, não... Piedade... Eu... Eu não queria, eu estava bêbado.

– Ora eu sei que você está arrependido, assim como os outros também estiveram quando eu os alcancei. E eu admiro isso, afinal se arrepender é o primeiro passo para ser aceito lá em cima. Você esta no caminho certo – ela disse curvando-se para mim, brandindo lentamente a lamina diante de meu rosto – mas veja por este ponto, você se divertiu com meu corpo, e agora é minha vez. E eu tenho muito rancor para extravasar.

Ela deslizou os dedos por meu corpo, arranhando-o com suas unhas imundas, rasgando minha camisa e rindo diabolicamente.

– Felizmente a noite é uma criança. – ela cravou a faca até o fundo em minha coxa, rasgando tendões, veias e artérias. Eu gritei agonizante, me sacudindo exasperado enquanto o sangue jorrava do ferimento e ela ria diabolicamente – Isso vai ser divertido...

– Não!

Capítulo Final

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