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Eu entendo o que o formando quer dizer. Eu me desespero com o que o formando disse. Desesperada eu me viro e tento me erguer com meus braços frágeis. Cambaleante eu me ponho de pé, mas é tarde. O formando está a minha frente, sorrindo contente.


Um passo para trás é tudo o que consigo dar. A mão grande do formando me agarra pelo antebraço e me puxa para um desconfortável abraço. Eu me esperneio e choro mais pela dor do que pelo medo.


– Vai bancar a difícil? – ele agarrou meu pescoço ignorando o sangue que ali se alojava – é melhor saber que não sou muito paciente.


Sua mão escorrega para baixo, estaciona no fecho de meu sutiã. Meus pulsos estão presos em seu aperto de aço. Eu me contorço exasperada, uma atitude desnecessária. Ele ri, e por alguma mania estranha, joga sua cabeça para trás enquanto o faz. Eu vejo ali minha saída. Impulsiono-me para frente, para perto dele, jogando minha cabeça contra seu rosto. Minha testa colido contra seu nariz. De baixo para cima. Dói. Mas ele grita mais do que eu. Ele me solta, e com a mão sobre o nariz para estancar a vazão de sangue, me chuta na altura do estomago. Ele faz Kong Fu.


Eu voou alguns pequenos metros, caindo com a cabeça na beirada da piscina. Sinto outra parte de minha cabeça se abrir, o sangue jorra da nova ferida. Minha visão embaça e meus ouvidos se enchem de risos e xingamentos. Não meus, deles.


– Sua vadia desgraçada! – o formando berra.


Algo agarra meu tornozelo, reconheço os calos da mão de Tiago. Suas mãos deslizam por baixo de minha saia. Sobem rápidas. Eu pisco furiosamente, tentando enxergar algo. Posso ver o vulto de Tiago sobre mim, seu corpo colado desconfortavelmente ao meu. Posso ouvi-lo se livrar do cinto. Eu quero chutá-lo, mas agora meu tornozelo e coxa doem quando os movo. Eu quero gritar, mas a mão dele em minha garganta me impede. Ninguém esta segurando meus braços. Sua mão sobe rápida, ameaça me invadir. Eu fecho meu punho e o lanço com toda a força contra o lado esquerdo do rosto de Tiago. O som da colisão é seco. Carne contra carne. Meus dedos latejam enquanto Tiago se afasta atordoado. Eu dou outro soco em seu estomago, não é forte o bastante, mas ele se afasta mesmo assim. Eu rolo para o lado, e me levanto em um salto. 
O sangue escorre por meu pescoço, cobre minhas costas, pinta o chão. O mundo gira devido aquele movimento rápido. Eu ignoro o enjoou que faz meu estomago se revirar. Eu não podia vomitar. Não no meu vestido novo. Eu dou apenas alguns passos, desorientada e com a visão ainda levemente embaçada. Braços finos me agarram pelos ombros, se fecham em meu pescoço. Sinto as unhas grandes e ásperas de Marcie em minha pele enquanto ela me segura. Sinto sua língua pegajosa deslizar por minha orelha. Estremeço em repulsa. Algo colide contra minha bochecha esquerda, minha cabeça gira, forçando meu corpo a acompanhar. Novamente eu estou ao chão, ajoelhada e chorosa. Minhas mãos cobrem minha boca, enquanto minha língua sente a ferida aberta em meus lábios. O gosto do sangue é intragável. Eu cuspo e engasgo.
Alguém ri ao meu lado. Parece um pato. Um pato chamado Marcie. Algo se choca contra meu estomago. Eu voou algum centímetros antes de voltar ao chão.


– Mas que merda de garota você é! – o formando esbraveja – olha só toda ensangüentada. Tenho até nojo.


– Pois eu ainda não broxei. Que droga Ted, tem ânsia de sangue agora?! – risadas ecoam.


– Você é doente, essa é a diferença – ouvi Tiago dizer.


– Ela é arredia não? Foi por isso que você não a traçou até agora Tiago? – mais risadas.


– Alguém precisa domesticar essa gatinha selvagem – uma voz rouca sussurra em meu ouvido, eu estremeço. Não percebi que alguém estava tão próximo. Eu me levanto, cambaleando alguns centímetros. Estou arfando, minha garganta esta seca. E tudo dói.


Eu pisco fazendo os vultos se focarem diante de mim. O rosto do Tiago esta vermelho onde acertei. O nariz do formando esta torto. Os outros dois estão sorrindo diabolicamente. Estão todos drogados e confiantes. E não há motivos para não estar.


– Ela é teimosa – resmunga Marcie.


– Só até alguém lhe ensinar quem manda – o rapaz de voz rouca diz. Ele desabotoa o botão da calça e pisca para mim. Todos riem. Enquanto eu ofego encarando todo aquele pesadelo.


Eu olho ao redor. A escada por onde vim esta bloqueada por eles, mas há uma saída no fim do recinto, do outro lado. É apenas uma estreita porta, mas que nunca esta trancada, pois está quebrada. Apenas 20 metros. 20 metros que em meu estado se transformavam em quilômetros. Meu estomago se revira novamente, e faz minha cabeça latejar. Assusto-me quando não sinto mais as pontas de meus dedos. Assusto-me com a sensação anestésica que ameaça me tragar. Reconheço a exaustão conseqüente da perda de sangue. Eu vazei muito esta noite.


– Marcie é melhor você segurar ela, acho que desgraçada ai não vai agüentar... E você sabe como eu sou – o rapaz de voz rouca diz. Suas palavras me apavoram e me fazem agir embora fosse inútil fugir.


Eu vejo pelo canto do olho Marcie avançar com suas unhas sobre mim. Por um milagre eu consigo me desviar e sem pensar começo a correr. Corro rente a piscina em direção a porta. Aos tropeços e soluços eu vejo minha visão embaçar com o cansaço, sinto o sangue jorrar para fora de mim, sinto minha perna latejar. Mas ignoro. Viver vale esse esforço.


Eu corro. Mas não sou rápida. Não o bastante. Mãos de unhas longas me agarram minhas pernas, puxando e arranhando. Eu caio contra o chão em movimento. Minha cabeça colidi loucamente contra a beirada da piscina. Minha testa lateja enquanto algo quebra dentro de minha cabeça. Sinto o sangue jorrar. Uma cascata vermelha me cobre os olhos.


Algo agarra meus braços, eu quero revidar, mas eu não sinto mais meu corpo. Eu não sei mais como o comandar. Eu estou à mercê. Eu estou à deriva. Eu estou tomada pelas dores. Dores de morte.


Risos são a ultima coisa que ouço, escandalosos e histéricos, mas no fundo satisfeitos. Sinto vagamente algo agarrar minha cabeça e lançá-la contra o chão algumas vezes mais. Como sinos minha cabeça e os ossos partidos dentro dela, vibram. Mais risos e palavrões. Não há mais volta. Eu não sinto mais nada. Minha ultima lembrança se resume a um mar vermelho sangue, e uma frase abafada pela água


– Até que foi divertido..

Capítulo 2

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